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Palavra Livre
Renato Janine Ribeiro — Valor Econômico
De vez em
quando, leio em blogs ou mesmo em cartas que recebo enquanto colunista deste
jornal ataques aos "comunistas" do PT. Ora, é importante esclarecer
algumas coisas. Todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e
do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. Melhor aclarar alguns
pontos, para que os adversários do PT ou do comunismo possam criticá-los sem
incorrer nessa confusão.
Vamos ao
programa ou, se quiserem, aos ideais. O princípio de todo partido ou militante
comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer
que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já
residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não
precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu
moro não é "meio de produção". Menos ainda, minha roupa. Mesmo a
horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for,
o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção -
fazendas, fábricas - é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem
essa tese, não há comunismo.
A maior
diferença é a questão da propriedade
Um
parêntese: até o presente, esse projeto não funcionou. Para Marx, a questão não
era moral, mas econômica. A propriedade privada acabaria se mostrando
ineficiente. Seria superada por uma forma superior de propriedade, a coletiva.
Ora, até hoje a propriedade privada se mostrou mais produtiva. E ninguém
conseguiu mostrar na prática (ou teorizar) o que seria a propriedade
"social" dos meios de produção. Houve, sim, propriedade estatal
deles. Mas Marx era claríssimo: o Estado tinha que ser abolido. Nunca propôs
ampliá-lo. Nem reduzi-lo. Ela ia mais longe do que os próprios liberais: queria
suprimir o Estado. Era o contrário do que fizeram os Estados comunistas, que
reforçaram a polícia e controles de toda ordem. Eles suprimiram a propriedade
privada, mas não o Estado: criaram um monstro policial que Marx jamais
aceitaria.
Pois bem,
o PT namorou em seus inícios a ideia de um socialismo vago, mas nunca se bateu
pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. Daí que, nos seus
primórdios, fosse até acusado de ser uma armação contra a
"verdadeira" esquerda, a comunista. Dizia-se que Lula seria um
ingênuo, ou um agente da CIA aqui infiltrado. Além disso, o PT nasce de um
inovador movimento sindical; ora, Lênin fora áspero na crítica ao
"sindicalismo", que padeceria de uma ilusão reformista, querendo
melhores salários em lugar da revolução. Tínhamos um abismo entre o projeto
petista e o comunista. Finalmente, o lado libertário do PT - o fato de reunir
descontentes com a cultura dominante, machista, racista etc. - desagradava a
quem achava que a contradição decisiva da sociedade seria o conflito do capital
com o trabalho. Havia marxistas no PT, talvez ainda os haja, mas sempre foram
minoria.
Daí vêm duas consequências curiosas e paradoxais quanto ao comunismo. Para ele, o fim da propriedade privada não é só um projeto. É uma certeza científica. O marxismo pretende ser a ciência das relações humanas. É científico que um dia virá o socialismo. Disso decorre que, sendo uma ciência, o marxismo no poder não admite discordância. O dissidente é um errado. E por que autorizaríamos os errados a falar? Eles só atrasarão a rota da história... Seria mais econômico e melhor, para a humanidade, calá-los. Daí, o caráter não democrático dos regimes comunistas (é por isso que, na democracia, a liberdade de expressão significa que podemos errar, renunciamos à certeza). E disso decorre, também, que os marxistas fora do poder não têm pressa. Um dia, chegará o comunismo. No poder, enfatizam que o socialismo é uma necessidade histórica. Fora do poder, enfatizam que a história não precisa ser apressada. Dão-se bem com a adversidade. Derrotados, sabiam ser serenos, para usar a virtude que mostravam em tempos nefastos: a história lhes daria, um dia, razão.
Daí vêm duas consequências curiosas e paradoxais quanto ao comunismo. Para ele, o fim da propriedade privada não é só um projeto. É uma certeza científica. O marxismo pretende ser a ciência das relações humanas. É científico que um dia virá o socialismo. Disso decorre que, sendo uma ciência, o marxismo no poder não admite discordância. O dissidente é um errado. E por que autorizaríamos os errados a falar? Eles só atrasarão a rota da história... Seria mais econômico e melhor, para a humanidade, calá-los. Daí, o caráter não democrático dos regimes comunistas (é por isso que, na democracia, a liberdade de expressão significa que podemos errar, renunciamos à certeza). E disso decorre, também, que os marxistas fora do poder não têm pressa. Um dia, chegará o comunismo. No poder, enfatizam que o socialismo é uma necessidade histórica. Fora do poder, enfatizam que a história não precisa ser apressada. Dão-se bem com a adversidade. Derrotados, sabiam ser serenos, para usar a virtude que mostravam em tempos nefastos: a história lhes daria, um dia, razão.
É
paradoxal, não é? A mesma convicção de que o marxismo seja uma ciência leva os
comunistas, no poder, a não tolerar a oposição, e fora do poder a fazer tudo o
que é acordo, mesmo dos mais espúrios, a aguentar qualquer derrota, a esperar.
Ora, é digno de nota que o PT nunca aceitou o pressuposto do marxismo como
ciência. Por isso mesmo, também recusou suas consequências. Nunca reprimiu
divergências ao feitio comunista. E sempre teve pressa (exceto, talvez, depois
de chegar à Presidência). Não foi à toa que, entre petistas e comunistas, as
relações nunca tenham sido fáceis. A queda do Partido Comunista tradicional, o
"partidão", acaba coincidindo com a ascensão do PT. Não restou espaço
ao PCB. Mudou de nome, abriu mão do fim da propriedade privada, manteve uma
excelente retórica, foi para a direita.
Em suma,
há muito a criticar ou a elogiar no PT, mas será errado criticá-lo (ou
elogiá-lo) por ser comunista.
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