sábado, 10 de maio de 2014

BEM-QUERER


ESPAÇO BICO DE PENA  BLOG PALAVRA LIVRE




Tristeza...
Irremediavelmente somos tristes.
E não há espaço para a euforia, alegria — júbilo.
O regozijo em forma de sonho da felicidade.
O alvo da humanidade tão ilusório como o horizonte do poente.
Lindo e essencialmente um painel de luzes intangíveis,
Pois sonho de consumo, a triste felicidade
Vendida pelas propagandas e os sorrisos de rotina daqueles que sequestram o seu desejo de desejar,
Para que possamos acreditar no amor, no trabalho e que a vida vale à pena se você comprar e vender sem perder um braço ou a dignidade.

O coração a bater como mistério de fundo da alma,
Já desconstruída por insondáveis desejos e ansiedades — venenos sepulcrais do espírito,
O raciocínio direcionado para canalizar o pensamento, a fim de pasteurizá-lo como leite misturado à água de todos os empresários que estupram quaisquer princípios para angariar vintém.

A cocaína dos que acumulam o vício de acumular vaidades, prepotências, e fazer da vileza a bíblia de sua vida vazia alicerçada no diabólico desconhecimento que a vida viceja quando temos saúde e por isto temos prazo de garantia, como o tem os amores que te acompanham por toda a vida, igualmente os que perdemos, deixaram saudades, bem como os dissabores que enfrentamos até o último suspiro dos pulmões.

O parar do coração e o pensamento e raciocínio que nos transformam essencialmente em seres imortais e eternos através da existência dos nossos filhos e nostalgia dos verdadeiros amigos, que lhes estenderam a mão em momento de fraqueza moral, penúria material, dor carnal, desajuste psíquico e sofrimento emocional.

A transformação do homem pela experiência, o que permite perceber e compreender que chegou a idade pródiga, sem ao menos nunca ter abraçado um desconhecido que chora nas ruas, mas sabe, empiricamente e tristemente, o porquê de tal dor que o aflige, porque a condição humana equivale a todos em vida e nos iguala no justo silêncio do cemitério cujo espelho reflete todas nossas vilezas, preconceitos, maledicências, ofensas, traições e egoísmos cuja chibata é a nossa língua matreira e desonesta, porque somos viciados, dependentes em último grau da nossa oportunista hipocrisia e desejo incontrolável de nos considerarmos especiais, quando a verdade é que cedemos o lugar para um idoso no ônibus desgostosos por não podermos continuar a sentar em nossa confortável miserabilidade humana digna da misericórdia de Deus e do ódio de nossos semelhantes frágeis mortais que lutam a vida inteira para serem um pouquinho reconhecidos pela sociedade – mãe dos “santos” ao tempo que dos bandidos, que a trata como caça, pois predadores de suas almas e do sofrimento alheio.

Eu, tristemente, sou impuro como a felicidade que os homens acreditam ter, e por isso tentam em vão transformá-la em poesia concreta, cujo combustível é a infelicidade intoxicada por sua humana tristeza, que corre em minhas veias e de todos nós.

O ser nascido nu. Evidentemente despido de vaidade, preconceito, intolerância e arrogância perante “Seu” Deus misericordioso em trabalho de parto. O tempo — o senhor da razão e da inconsciência – o sabedor do segredo da vida em todas as plenitudes e infinitos números desconhecidos de toda humanidade, porque não sabemos quem somos e desconhecemos a nossa origem mais profunda e não dimensionamos a nossa felicidade, porque sabemos o que é dor, a que nos causa tristeza – o amparo e o anteparo que, na realidade, é o que nos faz seguir em frente mesmo a temer o que não sabemos, o que nos espera.

Sinto-a como o estranho que mora em meu espírito e que se recusa a sentar no sofá da sala para dizer quem você realmente é.

Penso que existência, desconhecimento e coragem são os combustíveis do medo.
Sabotam a vida e emboscam o teu presente,
Porque o futuro é irremediavelmente a morte.

A pérola que não enfeita a concha das águas,
Mas embeleza o colo da mulher e os sorrisos moldados pelo batom da fêmea que se enfeita para seu contentamento e satisfação de ser notada para ser cortejada pelo macho, porque o objetivo final é a procriação e a apropriação da humanidade, que, de dor em dor, luta para subir no pódio da Felicidade.

A palavra-chave, essência da propaganda para que o sistema edificado na família continue a vender e a comprar, e, consequentemente, nos drogar, te chapar de todas as formas para que possamos aceitar, resignadamente, o nosso destino de bucha de canhão, de escravos que trabalham décadas, que transformam seus casamentos em sucursais do inferno e as ruas em frentes de guerras, pois o que interessa é manter intacto o sistema, que atende a uma minoria, que igualmente sente tristeza, porque ser feliz em um mundo violento e perverso como esse só matando de forma definitiva o que resta de dignidade para continuarmos vivos e olharmos sem muito trauma nossa cara no espelho.

As mulheres que em algum momento pensaram que me amaram e que tem a Graça e a condescendência de me considerarem pequeno para entender o amor. Como se tivessem pena da minha incapacidade em compreendê-las, apesar de meu esforço quase hercúleo de pelo menos agradá-las.

E me deixaram... Mataram meu amor, apesar de minha cumplicidade com o amor que eu sentia por elas.
Menino solto na amplidão do tempo e prisioneiro da vida que flerta com a morte, que, em troca, oferece-lhe a tristeza de sonhar em conquistar a felicidade, o dínamo que faz pulsar e ensanguenta  o coração solitário da humanidade.

A tristeza tão simplória e frágil e submissa que troca e cede tudo por ter desejado uma vida inteira ser amada por um bem-querer, que aceite ser seu, se possível “até que a morte nos separe”.

Engano, engodo... Trapaça promovida pelo sistema, mas tolerada pelos que se sentem amar, afinal todos sabemos que não é bem assim, mas somos sozinhos, vítimas da tristeza e amantes da felicidade. Todos, humanamente, buscamos companhia e o amor, mesmo quando não acreditamos mais em nada, a não ser quando alguém diz que gostaria muito de sair com você ou comigo. Não tem jeito. Irremediavelmente ressuscitamos a esperança que corre em nossa essência apesar da tristeza e da dor que a busca pela felicidade nos causa.

O que as pessoas querem é doar seu amor e recebê-lo em forma de sentimento verdadeiro em forma de cumplicidade — o seu e o meu olhar.
A metafísica, a energia tornada preocupação em amar. O cuidar, a esperança de sair da vida livre de saber que nem tudo é dor e abandono, culpa e tristeza.

As flores de minha paixão se transfiguram em perfumes delicados e suaves.
Cheiros dispersos e incontáveis como as estrelas tão infinitas como os céus e os ódios e paixões da humanidade perversa e violenta, mas que, incompreensivelmente, quer amar e ser amada.

Tão voláteis como o suor do meu corpo, as lágrimas de minhas emoções e sonoras como a minha voz já rouca pelo tempo e insincera, pois penso nos amores que tive e na poesia em que me enganei, a fim de exorcizar a solidão — a minha indissociável solidão em relação ao tempo que compartilhei com a minha razão. Amante fiel de minha tristeza. Leal à morte e porta-voz dedicada da minha intangível felicidade.

Jamais saberei o que a Felicidade pensa, porque no fundo toda mulher sabe que o homem tem medo do seu olhar quando percebe que ela pode ler sua alma e por ele sentir amor.

Triste e torturado pelo tempo, o relógio não move suas horas libertas para pisar o chão e caminhar pela vida sem fronteiras e conquistar a felicidade, que não tem hora e nem lugar para se transfigurar em verbo.

Bem-querer.

Davis Sena Filho 
Rio de Janeiro, 4 de março de 2014.





Um comentário:

Marcos Lúcio disse...

Sem dúvida um belo, pungente e áspero depoimento/desabafo. Mas, ainda bem que
"nem tudo é dor e abandono, culpa e tristeza".

Como a impermanência é a essência da vida como ela é...faço minhas as palavras do Miguel Sousa Tavares: "E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre".